domingo, 23 de agosto de 2009

SIMPLESMENTE VÍNCULOS





Hoje, estou aqui à espera de um sonho...
Um sonho que delineie o encantamento da vida tal qual a escola de minha infância...
Um sonho que projete o estreitamento vincular da alma, na esperança de evocar o poder do Self e estabelecer a ligadura entre a mente, o corpo, o espírito e o mundo exterior, no jogo dialético das forças que movem meu ser.

Ah!... que saudades eu tenho, das aulas dos meus primeiros anos...
Escola sem paredes, sem portas ou janelas, apenas e tão somente um gramado florido onde a professorinha cantava suavemente a cartilha do B-a-bá. Às sombras das árvores, meus olhos brilhavam e as crianças ao redor entoavam com ressonância cada letra, cada fala, cada conto que aumenta um ponto...
Era um tempo dos sentidos, dos sentimentos, dos movimentos, dos saberes expressados em diferentes formas de pintura, colagens, escritas, sons e até de silêncio...
Sinto falta de ver e sentir a instituição educacional que volte a ser escola, cuja meta priorize o ser que está presente, o ser gente, muito vivo, atuante, que anseia pelos vínculos de um corpo que fala, que expressa o que vai por dentro, no âmago do ser. Este ser que se anima pelo vínculo na pura relação, interação, indicação de caminhos em tantos processos e descobertas.

Tenho hoje interrogações, muito mais do que certezas...
Esta estrutura “marketinizada” da escola atual está vazia de calor, não estabelece mais a possibilidade de parceria, do vínculo sagrado entre professor e seus alunos; tornou-se fábrica de estudantes interessada no capitalismo selvagem. Aos poucos se perde a magia de ensinar e aprender, conversar e escutar, refletir e ponderar. Em breve tempo, se assim continuar, não iremos mais costurar a colcha de retalhos do saber e deixaremos de ser os artesãos do conhecimento. Que espécie de vínculo está se construindo? Normal ou patológico?

A escola é um espaço onde somos, todos, ensinantes e aprendentes, papéis sociais que se baseiam nas relações de objeto. Pichon-Rivière diria que assim se manifesta a estrutura vincular; são estas relações de objeto nas quais estão incluídos um sujeito e um objeto, onde se estabelece uma relação particular entre eles. Faz-me lembrar também Chauí que inteligentemente diz:



“... a consciência psicológica ou o Eu é formada por nossas vivências, isto é, pela maneira como sentimos e compreendemos o que se passa em nosso mundo que nos rodeia, assim como o que se passa em nosso interior”.



Creio que ambos falam línguas parecidas!... E o que importa aqui é entender, se este distanciamento, marcado pelos interesses mercantis, não conduzirá a formatação de vínculos esquizofrênicos em que a cisão de mundo possibilita o afastamento da realidade.

Tenho pensado muito sobre o aprender e a cada dia que passa vislumbro um universo distorcido, no qual as ações educacionais se apartam cada vez mais da intenção de restabelecer vínculos positivos e saudáveis entre as pessoas que buscam o conhecimento. Muito discurso pouca ação!... Ainda é forte a dependência da manipulação, do poder nas mãos de quem ensina, são forças coercitivas camufladas em suaves palavras que impõem regras e distorcem a autonomia de quem aprende. Provações vinculares patológicas estabelecidas a partir de uma coesão grupal engendrada na escola conservadora da alienação mental?

Utilizando a terminologia de Pichon-Rivière pergunto:
Afinal qual é a tarefa deste grande grupo de educadores espalhados por tantas escolas/universidades brasileiras? Não será propiciar as condições necessárias em que dirigentes, alunos e professores experimentem o sabor de assumir-se em suas relações como seres sociais e históricos? Que tomem consciência de que todos são um grupo operativo e que há um instrumento de trabalho, um método de investigação que conduz de forma explícita a uma tarefa importante, o aprendizado? Há necessidade de nos darmos conta, de que somos todos seres pensantes, comunicantes, criadores, realizadores de sonhos, capazes de ter raiva, de reivindicar e opinar pelos contrários porque simplesmente, somos capazes de amar. Isto se deve principalmente porque somos transformadores de vida e como sujeitos, podemos também nos reconhecer como objetos de construção.
É preciso compreender que a verticalidade e a horizontalidade se conjugam num único papel, considerar a história pessoal que precisa ser unida a história social do grupo ao qual o sujeito se afilia, seja isto na escola fundamental, na universidade ou qualquer outra.

Hoje, estou aqui, à espera de um sonho...
Em que possa ouvir e falar das disciplinas comuns a cada curso como a poesia do saber, descobrir de modo lúdico e prático as incógnitas, as teorias, confrontar as dúvidas. Explorar o pensamento dialético, os sentidos, descobrir o que move realmente a vida, experimentar os sabores das teorias. Provar tudo e um pouco mais, pois tenho sede e fome de saber; quero ver manifestar a escola que volta os olhos para a sabedoria do passado e analisa o que já se viveu, na tentativa de relembrar a intensidade das emoções que todos, enquanto alunos, experimentam no decorrer do tempo. São as marcas das vivências e dos vínculos pessoais que nos enriquecem em nossa formação e constituição do que somos, nossa imagem, auto-estima, nossos valores morais e éticos, no corpo e na alma.
Sentir a identificação com o outro, afetividade, amizade, cada um se reconhecer como parte de um espaço comum no grupo. Viver o respeito, a reciprocidade, os enfrentamentos, os conflitos, entender as diferenças de uma sociedade em constante transformação, que é dinâmica e rica em contrastes e contrários. A força dialética que tudo move e movimenta.

E, hoje estou aqui, à espera de um sonho... de ver a escola conservadora transformar-se em escola crítica produzindo seres cujo desenvolvimento teórico e prático seja como diz Paulo Freire uma “educação como prática de liberdade”. Se, utopia ou realidade é assim que vivo, muito mais que um sonho assim penso, almejo e me reservo no direito de experimentar o doce sabor deste vínculo amigo tão bem expresso nas palavras abaixo:

"A nossa existência é tão passageira como as nuvens do Outono. Assistir ao nascimento e morte dos seres é como observar os movimentos duma dança. Uma vida é como o relâmpago no céu, corre como a água que jorra de íngreme montanha! Paramos por algum tempo para nos encontrarmos uns aos outros, para nos amarmos, para partilharmos. Este momento é precioso, mas passageiro. Constitui um pequeno parêntesis na eternidade. Se o partilharmos com carinho, alegria e amor, criaremos abundância e felicidade uns aos outros. E, assim, este momento terá valido a pena". (D. Chopra)

Marizilda Lopes                 

Para saber mais:Chopra, D. A Cura Quântica. São Paulo: Best Seller, 2004.
Chauí, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
Freire, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
Pichon-Rivière, E. Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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